Sertões, sertões - Wilson Aragão
Saudades de um tempo que não vivi...
(Por: Óseas Vieira)
Falar do Trem de Ferro para mim, é falar de uma época em que não vivi, mas que gostaria de ter vivido. Como eu queria correr atrás daqueles barulhentos gigantes que gritavam quando adentravam cidades e povoados deste imenso Brasil. Gostaria de sentar em uma daquelas poltronas e elegantemente viajar por este mundo olhando as paisagens pela janela, sentindo o sacolejar dos trilhos sustentados por dormentes. Queria ser criança para subir nas suas rodas, andar ao seu lado até esquadrinhá-la por completo, fazer desenhos nela, brincar de esconde esconde, sonhar... As vezes fecho os olhos e tento me ver lá naquele tempo, quem sabe seria o maquinista, o herói que domava aquela "fera de ferros", ou quem sabe um moço galante que sairia daquelas portas, com um jornal na mão, mas ávido para voltar no dia seguinte... Penso que os meus pais foram privilegiados, pois puderam sentir o que agora só estar em minha mente, as vezes em um filme, ou foto, mas nunca em minha realidade... Como eu queria, mas o tempo passou, levou as folhas secas, levou o barulho do trem, levou até os trilhos e hoje sou um pouco desiludido por que roubaram de mim um sonho antes mesmo de eu ter nascido.
Autor: Oséas Vieira
(Por:
Patrícia Marques)
Em
30 de abril de 1854, durante o período imperial brasileiro, foi inaugurada no
Rio de Janeiro, a primeira linha ferroviária do país, inicialmente ligando o
porto de Mauá a Fragoso num trecho de 14,5 km de extensão[2].
Provavelmente na Bahia, isso só ocorreu em meados de 1860 em Salvador, com a
criação da ferrovia que ligava o bairro de Calçada à Paripe, que depois fora
ampliada.[3]
Durante
o século XX as ferrovias foram extremamente importantes para a economia
brasileira, pois era o meio mais eficiente para o escoamento de mercadorias.
Onde as estações eram fincadas, levavam com elas o impulso econômico e social
às cidades e em sua grande maioria modificando os hábitos da população e
instigando o povoamento nessas áreas.[4]
A
linha férrea Senhor do Bonfim-Iaçu, foi produzida lentamente, no ano de 1923,
atinge a localidade do França que pertencia à cidade de Mundo Novo. Segundo
Lucas Adriel, o município de Mundo Novo até 1923 “ se constitui num lugar de
pouca urbanização”[5] com economia voltada para a agricultura e pecuária. A primeira estação do
município trouxe desenvolvimento ímpar para a localidade, onde situava a
oficina de trens deste percurso e convinha como grande parada comercial, deste
modo, o França atingiu grande relevância durante o período.[6]
Imagem – mapa da linha Senhor do Bonfim-Iaçu[7]
Imagem – mapa da linha Senhor do Bonfim-Iaçu[7]
Em
1934, foi inaugurada a estação ferroviária em Piritiba, que semelhante ao
França, obteve um grande impulso em seu desenvolvimento comercial, pois começaram
a chegar comerciantes vindos das regiões próximas e distantes, tornando o
movimento na Estação Ferroviária muito intenso. O Distrito de Piritiba passou a
exportar diversas mercadorias, dentre elas: carne bovina, farinha de mandioca,
mamona, dormentes, além de receber diversas mercadorias oriundas de outras
regiões.[8]
Imagem – Casa do agente da Estação de Piritiba - João Jeanbastian (Fonte: Retirada do acervo do centro cultural de Piritiba)
Imagem – Casa do agente da Estação de Piritiba – João Jeanbastian (atualmente)
(Imagem- Atual centro Cultural de Piritiba – Antiga Estação Ferroviária)
A
estabilidade econômica que Piritiba adquiriu durante o período de funcionamento
da estação, servindo como ponto de escoamento de produção e expandindo o
cultivo agrário, fora crucial para o seu desenvolvimento e só aconteceu devido
sua localização estratégica entre França e Mundo Novo.[9]
Imagem– Chegada do primeiro trem a Piritiba – 1934. Fonte: Monografia de Maria das Graças Barreto. Parte do acervo do Centro Cultural de Piritiba.[10]
Em 1937, é inaugurada a última
estação pertencente à Mundo Novo, a mais próxima da sede, situada na Barra de
Mundo Novo. Não diferente das outras localidades, o trem contribuiu com uma
forte movimentação e expansão. Nesta parte da linha ferroviária, há alguns anos
posteriores à inauguração, havia um cruzamento dos trens que saiam de Iaçu e
Senhor do Bonfim, estes só retornavam no dia seguinte, o que obrigava os
passageiros a pernoitarem na vila. Os últimos relatos do funcionamento de trem
sobre os trilhos da Barra de Mundo Nova datam os fins dos anos 70. [11]
Com o investimento do governo
federal nas linhas rodoviárias, os trajetos percorridos à trêm, foram perdendo
força, e atualmente,de acordo com a Agência
Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), dos 29 mil quilômetros de linha
férrea existentes no País, menos de 11 mil quilômetros são explorados [12]
É perceptível como as linhas férreas
incitou o crescimento de diversas localidades. Esta, influenciou na adesão de
novas vivências populacionais, servindo como atrativo econômico, distração dos
moradores, ponto de encontro de amigos e namorados, suscitando na criação de
novas relações socioeconômicas.
O descaso que a maioria dos
governantes tem exercido em prol da preservação das estações é visível em
vários municípios brasileiros. É necessário resgatar a memória dos vagões, das
estações das estórias que são mencionadas com tanta paixão por aqueles que vivenciaram
a passagem do trem de ferro movido à lenha e segundo Eulálio Mota de apito
longo e apaixonado..
Os moradores, que vivenciaram o período em que a estação ainda funcionava, sempre se remetem a memória do trem com saudosismo, com amor... E como Oséas descreveu no texto
acima, influencia na nossa curiosidade na vivência daquela época. Hoje, acostumados
com tecnologias avançadas associada com a velocidade que a sociedade atual tem
buscado para seu cotidiano, fico a me perguntar: O que seria o trem de ferro movido a lenha que a
palavra saudade fazia lembrar à Eulálio Mota?
Qual a importância emocional para as pessoas daquela época? Quais as vivências
que o trem poderia trazer? Como seria o som descrevido por Manuel bandeira: “
café com pão, café com pão” ? Como seria a agitação na estação?
Peço que analisem essa imagem, percebam as sombras, as bagagens... Quem seriam
essas pessoas? Para onde elas estariam indo? Havia expectadores. Por que eles
estavam ali? O que teria de tão interessante “na passagem do trem”?
[1]
Jornal O Lidador, n. 203, p. 3, 19 de setembro de 1937
[5] ALMEIDA, Lucas Adriel Silva de. Fumaça, Dormentes e Trilhos: Discursos de
Progresso
na Região de Mundo Novo (1923 – 1941). 2010. Trabalho de Conclusão de Curso
(História) –
Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2010
[9]ALMEIDA, Lucas Adriel
Silva de. Fumaça, Dormentes e Trilhos: Discursos de Progresso na Região de Mundo Novo (1923 – 1941). 2010. Trabalho de
Conclusão de Curso (História) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2010
[10] BARRETO, Maria das Graças Coutinho. Sedução da Modernidade: Modernidade em Piritiba. Jacobina , UNEB, Campus IV, 2004.
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